Multimundos entrevista o professor da ECA-USP, jornalista e historiador, André Chaves de Melo

Multimundos entrevista o professor da ECA-USP, jornalista e historiador, André Chaves de Melo

Pesquisadores do Multimundos participam desde 2021 da Cátedra Otávio Frias Filho em Comunicação, Democracia e Diversidade, parceria entre o Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP) e o jornal Folha de São Paulo. Para falar sobre o funcionamento da Cátedra, o site Multimundos conversou com o Jornalista, Historiador e Professor, André Chaves de Melo Silva. coordenador da Cátedra. O ex-professor da Universidade de São Paulo, historiador, jornalista, escritor e músico, Claudio Julio Tognolli, falecido em março de 2024, foi também, juntamente com André Chaves, coordenador da Cátedra desde a sua fundação.

O recorrente negacionismo preponderante na pandemia da covid-19 angustiou a ambos e os motivou a planejar um Centro de Pesquisa com abordagens sobre saúde, ciência, comunicação, democracia e direitos humanos. O nome do patrono escolhido para tal iniciativa foi Otávio Frias Filho – que por 30 anos foi diretor editorial do Grupo Folha – após essa decisão começaram então a contatar pessoas de outras instituições para que a Cátedra fosse materializada.

A conexão do professor André Chaves com o Multimundos existe há mais tempo e iniciou com um dos coordenadores do Multimundos, o professor doutor Benedito Dielcio Moreira que, em 2013, convidou o professor doutor André Chaves de Melo para participar do I Seminário de Divulgação Científica de Mato Grosso. No seminário, também participaram os pesquisadores Ana Paula Morales (Labjor-Unicamp) e Ciro Marcondes Filho (ECA-USP), falecido em 2020. Na ocasião, foi lançada a Rede de Divulgação Científica de Mato Grosso pelas três instituições parcerias do event:, a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), a Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso (IFMT).

Posteriormente ao seminário, veio a parceria entre os professores Benedito Dielcio Moreira e André Chaves de Melo como organizadores do e-book “Divulgação Científica – Debates, Pesquisas e Experiências” lançado em 2017. Houve outros seminários em que o professor André Melo participou na UFMT e o professor Dielcio Moreira foi convidado para participar como membro de bancas de defesa orientadas pelo professor André Melo. E mais recentemente, foi o estreitamento da parceria com o convite para que os alunos do Multimundos participassem da seleção da Cátedra Otávio Frias Filho do IEA/USP e Folha de São Paulo. Leia abaixo a entrevista com o professor doutor André Chaves de Melo.

Para falar sobre o funcionamento da Cátedra, Julianne Caju conversou com o jornalista, historiador e professor, André Chaves de Melo Silva, coordenador da Cátedra Otavio Frias.  

Entrevista

Diversidade, Democracia e Direitos Humanos inspiraram a criação da Cátedra Otávio Frias Filho

Por Julianne Caju*

Nessa entrevista, André Chaves fala sobre os assuntos que estão sendo debatidos nos espaços de produção de conhecimento; sobre as tensões contemporâneas; os desafios de fazer ciência no Brasil e fazê-la democrática, plural e acessível; as atividades que já foram realizadas nos dois ciclos da Cátedra e de quem forma as informações estão e serão divulgadas para a sociedade.

A Cátedra Otávio Frias Filho foi lançada em fevereiro de 2021, ano em que o jornal Folha de São Paulo completou seu centenário. Sua sede é no IEA e os eventos têm acontecido de forma online. O primeiro ciclo (2021-2022) do grupo teve como tema “Ser Brasileiro”, sob a coordenação de um dos mais influentes especialistas em comunicação do país: Muniz Sodré; já o Ciclo 2023-2024 tem como tema: “Ciência, Comunicação e Futuro”, está sob a titularidade da bióloga e neurocientista, Suzana Herculano-Houzel.

Multimundos:  De que forma esses temas: diversidade, intolerância, ciência, diversidades, divulgações científicas estão sendo abordados na Cátedra? Que tipo de palestra, de ações ou atividades estão sendo realizadas?

André Chaves de Melo Silva – No primeiro ciclo nós convidamos o professor Muniz Sodré, sociólogo e provavelmente o maior teórico da Comunicação Social hoje do país, um dos maiores do mundo, certamente! Nós consideramos importante contar nessa empreitada, com um intelectual dessa envergadura para dar corpo para essa Cátedra. E aí, essa Cátedra surge com outras metas, mas uma delas é ter um catedrático em ciclos anuais com algo em torno entre 10 ou 12 encontros e dentro desse ciclo trabalhar com uma grande temática, e a partir dessa grande temática, trabalhar e publicar um livro com um grupo de reflexões de um grupo de pesquisadores voluntários, que se candidataram para estar conosco. Dentro desse processo participaram eventualmente da publicação do livro, logicamente nem todos enviam suas contribuições, não é obrigatório e também há processo de seleção. Dentro desse processo então, nós pensamos no primeiro tema que foi “Ser Brasileiro”. O que é esse mistério tão difícil de responder, essa brasilidade, nossa identidade que é tão complexa e diversificada? Então, apesar de termos uma grande produção nesse sentido, de diferentes épocas e maneiras que pesam eventuais críticas, de acordo com o intelectual, vamos dizer assim com sua obra, mas nós temos diferentes intelectuais de diversos matizes e períodos da história brasileira, pensando essa questão. Então a gente resolveu abordar essa parte no ciclo, então nós temos aí uma temática fundante. Ou, seja, o que é isso? O que é de fato ser brasileiro hoje, dentro de um contexto absolutamente contemporâneo que é justamente dessas lutas por direitos da minoria, contra racismo e intolerância. Que lugar tem essa identidade hoje dentro desse processo? Foram mesas sempre pensando sempre nessa lógica. Então a gente teve o Ailton Krenak representando a questão indígena, hoje ele está na Academia Brasileira de Letras. É um orgulho para nós, e podermos ter contado com a participação dele e de diversos outros intelectuais que disponibilizaram seu tempo, seus conhecimentos para ajudar a gente nesse processo. Mas, então é entender essas diferentes lógicas, das diferentes raízes, então nosso foco central foi pensar nessa questão, como que a brasilidade, como ela se encaixa nisso, nesse processo, nessa crise profunda que o Brasil atravessava sobretudo no campo política, a gente tinha uma situação muito delicada até então.

Multimundos – Eram muitas tensões…

André Chaves – Muitas tensões, exatamente. Foi uma situação que a gente tenta entender de forma isenta, científica, todo esse fenômeno. Acho que nós caminhamos bem nessa jornada. Foi um ciclo muito marcante, e aí partimos para segunda temática: pensar numa diversidade dentro de um fenômeno mais amplo, ou seja, biológico, um mundo natural e assim por diante, e como tudo isso se relaciona, inclusive, com a democracia, com os direitos humanos e com a divulgação da ciência. Como a ciência está implicada nesse processo, como ela é uma leitura do mundo, uma forma, metodologia de compreensão do mundo, que tem que ser isenta e tem que nos fazer compreender o mundo dentro dessa beleza, vamos dizer assim, que é justamente o fato da natureza, do universo, ser estruturada a partir da diversidade. Ou, seja, a diversidade, muitas vezes, é compreendida como um fenômeno inverso, se pensa tradicionalmente muito dentro de ideias homogêneas, “ah tem que respeitar o que é minoria”, mas na verdade quando a gente analisa de perto esse fenômeno e até mesmo quando vamos para bancada do laboratório, dos biólogos, dos físicos, e por aí vai, dos químicos, a gente percebe que na verdade a diversidade é um elemento estruturante da própria vida. Ou seja, tem diversidade em tudo. Então, ao contrário do que a gente pensa, a diversidade não é uma exceção à regra, na verdade ela é a regra estruturalmente.

Multimundos – Você já está trazendo aqui a temática desse segundo ciclo, é isso, né, professor?

André Chaves – É isso, exatamente!

Multimundos – A ciência, a comunicação e o futuro para se pensar nessa diversidade.

André Chaves – Exatamente.

Multimundos – Seria pensar na diversidade para além das vidas humanas, é nesse sentido?

André Chaves – Exatamente! Mostrar para as pessoas na verdade que o preconceito, a intolerância, na verdade são fenômenos absolutamente resultados da ignorância, infelizmente de boa parte da população, que ainda acredita em percepções e preconceitos, que quando a gente vai para a ciência a gente percebe que não tem a menor razão de ser, não tem sentido, quer que eles sejam propagados, sejam defendidos, simplesmente eles não existem do ponto de vista real. Quando você analisa a origem das coisas e como é essa diversidade, é estruturante de tudo, a gente percebe o quanto na verdade a intolerância ela é um grande guarda-chuva da onde vem tudo, racismo e exclusão social. Ela na verdade e todos os seus instrumentos não passam de formas de manutenção de interesses, de manter a dominação social de alguns grupos por outros. Mas, infelizmente acabamos tendo a ideia de que a diversidade é uma exceção, e é o contrário. A diversidade é um dos elementos estruturantes, e como aquelas ideias preconcebidas, outro grande equívoco, quando pensamos no mundo, grande parte das pessoas acabam pensando no mundo, infelizmente, como um mundo um grande mar de prosperidade com ilhas de pobreza. Quando na verdade, é absolutamente o contrário, é um mar de pobreza com ilhas de prosperidade. Então, só com essa imagem social de prosperidade, ilhas e pobrezas precisam ser conectadas ao mundo do consumo. Ela é uma ideia de que nossa própria essência ajuda o sistema a se manter, e ela ajuda a alimentar os sistemas e os instrumentos de dominação também. Quando a gente se debruça sobre os dados sociais de boa parte da população mundial, a gente percebe que exatamente o contrário, você tem um mar de pobreza com ilhas de prosperidade. Não que em alguns países não vamos ter mais prosperidade que em outros, os países desenvolvidos, onde você tem uma distribuição maior de renda, mas quando você pega o ponto geral da população mundial, aí o quadro muda totalmente de figura.

Multimundos – Falando então disso, para se ampliar esse olhar e o entendimento de que seja de fato fazer ciência, de se pensar diversidade. Tiveram momentos em nossa história que esse preconceito, ou, essasuperioridade versus minoria foi narrada e foi reproduzida por parte também de algumas áreas da ciência, dizendo “olha aqui estamos que tal população, ou tal raça é superior a outra”. Esse movimento que a Cátedra tem feito nesses dois ciclos é para se pensar outras histórias ou de fato dizer que também aquilo que tenha sido propagado, a ciência já avançou – e já avançou que estamos até trazendo esses dados, a partir de que por exemplo, as pesquisas que a Doutora Suzana Herculano-Houzel

 têm desenvolvido?

André Chaves – Na verdade a cátedra, ela nasceu com essa ideia do plural. O quanto tem de ciência que já mostra de acordo com sua especialidade é claro, o quanto nós já temos de dados evidenciados que as coisas são mais complexas do que a gente imagina. E também claro, com esse cuidado de ter diversas vozes, no plural, justamente em razão desse alinhamento com esse fenômeno contemporâneo, recente que permite que a ciência hoje seja cada vez mais aberta. Não que não haja reminiscência dentro da ciência, como toda atividade humana e de uso da ciência de outras formas, de produção, vamos dizer assim, humana, seja de conhecimento ou qualquer outra coisa. Sempre existe espaço para algum tipo de interesse de usos desses conhecimentos para tentativas e para processos de dominação. Mas, eu acho que a forma como o mundo se estrutura, em que pese também as dificuldades, dilemas e os problemas que a internet trouxe para humanidade, e que não são poucos, em que pese tudo isso. O fato é que hoje, a ciência tem estado cada vez mais aberta, também em razão da internet. Ela permite uma participação mais ampla de pessoas, um processo de inclusão mais amplo, ainda que ela traga as trevas também, tudo depende do uso que a gente faz da rede, porque também temos as redes sociais dando notícias, que na verdade não são notícias, que são inventadas…

Multimundos – Que são notícias falsas, né!?

André Chaves – Exatamente! Informações falsas, ou desinformação, o que se popularizou como fake news, né? Mas é claro que nós temos, portanto, esses problemas, esses dilemas, mas também temos essa ampliação. A própria entrevista que estamos fazendo, só é possível graças a esse tipo de suporte tecnológico e boa parte dos processos de pesquisa mundial tem sido feitas em redes, grupos que se conectam em redes, grupos que se conectam a grupos, formando redes mais amplas de pesquisa. Então nós temos hoje a própria vacina da covid, foi possível chegar às respostas rápidas e em razão dessa nova reestruturação da ciência. Então a ciência, hoje ela está dentro de um novo patamar do ponto de vista da estruturação. Hoje é muito mais difícil, não que não seja possível que não aconteça, claro que pode acontecer, mas tem sido cada vez mais poroso, vamos dizer assim, esse tecido, essa forma de trabalhar, o que permite cada vez mais um adensamento dos resultados, de grupos que antes estavam excluídos do ponto de vista do poder. Isso acaba permitindo uma participação mais ampla desses grupos e por isso tem mexido com a democracia, com os sistemas e assim por diante. Não é à toa também que nós vemos governos que representam determinadas elites em determinados países reagirem de maneira violenta até mesmo em relação a isso, fechando cada vezes mais justamente para tentar manter os seus controles tradicionais, vamos dizer assim, porque é como aquela história, história escrita pelos vencedores na origem a ciência também não era tão diferente.  Mas hoje nós temos uma curiosidade cada vez maior, então as coisas não são mais tão fáceis de compreender, mudou muito, ainda bem. Hoje nós temos muitas possibilidades e temos transformado o mundo a passos largos, se não num ritmo desejado são outras questões, mas o fato é que já tem melhorado bastante. Por exemplo, as próprias possibilidades de adesão dos vestibulares, nós temos hoje de inclusão, que eram impensáveis até 20 anos atrás. Então não existia isso no Brasil, então tudo isso converge e tem convergido com um mundo melhor. Mas com toda reatividade do campo que quer manter seu domínio, é claro, nós estamos na transição.

Multimundos – Mas a reatividade só acontece porque as outras vozes e as outras ações estão ecoando também não é mesmo Professor?

Multimundos – Exatamente, é claro, e aí você tem a reação.

Multimundos – Vamos falar especificamente também dessa temática, que como o senhor disse, o Otávio Frias Filho foi um grande defensor da democracia e todas as temáticas dos dois ciclos que a Cátedra tem abordado. Na sua opinião, as tensões passaram ou aumentaram? A democracia continua correndo risco no nosso país? E se sim, por que? E qual o papel dos pesquisadores para continuar cuidando, protegendo e guardando nossa democracia?

André Chaves – Penso que a democracia corre o risco o tempo todo, não só no Brasil. Até mesmo nos países mais estáveis, porque ela tem que ser alimentada e vivida. Como você alimenta a democracia? Vivenciando valores! Cultivando valores e praticando esses valores. E acho que sim, ela passa por ameaças constantes. Agora quando analisamos a cena brasileira, eu acho que essa permanência de uma evidente racha da população é uma ameaça a curto prazo. O que eu quero dizer com isso? Neste ano já tem eleições e aí vai ser um termômetro das coisas, incluindo a próxima eleição presidencial. Mas o fato é que a gente já vai ter um cenário do que vai acontecer e de como as coisas vão caminhar. Então, eu acho que a gente tem um problema sim, e eu acho que o grande dilema hoje é que eu não vejo nenhum ator social, e ainda quando eu falo isso eu também hoje que tem uma crise mundial nesse sentido. Mas eu não vejo nenhum ator hoje com uma grande capacidade de mudança nesse sentido, estabelecer um diálogo mais amplo. Acho que tem tentativa, a gente tem até dado uns passos, mas ainda muito menor do que deveriam ser. Não que eu critique só as pessoas que estão tentando, não é isso, às vezes o espaço está tão estreito que não dá para caminhar mais também. Mas a situação está tão complexa, que eu acho que continuamos em um país rachado, algo que era impensável até poucas décadas atrás. Penso que corremos riscos sim, mas que corre mais risco ainda é a democracia diante de um fenômeno que é cada vez mais difícil de grande parte das pessoas perceberem e combaterem. E quando eu digo combaterem falo dessas pessoas que se julgam democráticas, na situação do cotidiano pessoas que falam “ah eu sou militante!”, mas acabam não percebendo o quanto as vezes elas têm comportamento antidemocrático na prática. Então, por exemplo, essas tentativas de cancelamentos públicos que são frequentes em redes sociais, prejudicam as pessoas em razão de falar “fulano é isso, fulano é aquilo” pregando rótulos etc. Muitas vezes simplesmente porque determinada pessoa não compartilha da mesma opinião e visão de mundo, que um determinado grupo ou pessoas defendem. Esse tipo de ação é absolutamente fascista e aquelas pessoas que acreditam democráticas elas fazem isso no seu cotidiano e estão se comportando de uma forma absolutamente fascista e não percebem. Então eu acho que uma das grandes ameaças e ela está inclusive nas raízes do profundo do aumento do fundamentalismo das relações sociais, ao ponto de vizinhos mal se cumprimentarem, familiares, ao ponto de um odiar o outro pelo fato do outro existir e ser diferente. Ah. “eu sou diferente, o outro é diferente de mim, detesto esse cara, ou esse cara”, enfim. Então, esse fenômeno, eu acho, ele tem infelizmente alguns dilemas que a internet traz porque ele vai se realimentando pelas redes sociais que trazem mundo filtrado para as pessoas, de análises de algoritmos de preferências, então você fica dentro de uma zona de conforto. As pessoas vão se acostumando cada vez mais em um mundo de um certo conforto mental, ao ponto de impacto do que é diferente, de algo que a incomoda acaba sendo interpretado como negativo, quando na verdade, é algo muito positivo. Toda vez que você afronta com algo que você não concorda ou gosta, bem ou mal, te leva a uma reflexão, claro se você estiver num ambiente civilizado. O problema é que as coisas estão radicalizando de uma maneira, que elas estão levando uma coisa negativa uma construção acelerada de um ambiente absolutamente democrático na essência. E esse é o grande risco das grandes democracias mundiais, inclusive as brasileiras, na minha opinião. É o que eu falo, muita gente militante de isso, de aquilo, que se julga democrática, mas na verdade não vive a democracia, até porque democracia não é discurso, é vivência. Ou você vive a democracia de forma respeitável, ou você não é democrática. Você é mais um discurseiro, ou qualquer outra coisa.

Multimundos – Dentro disso, pensando na perspectiva enquanto pesquisadores… Qual é o papel dos pesquisadores nesse sentido? Porque todos os momentos os pesquisadores passam entre a teoria e aquilo que eles vivenciam e ao mesmo tempo parece que as coisas ficam distantes. Mas qual é o nosso papel para a gente pensar enquanto pesquisadores de uma cátedra, enquanto pesquisadores de universidades? E se pensar em aproximação naquilo que de fato nós temos construído enquanto produção de conhecimento para aliar ciência à sociedade.

André Chaves – Se a gente pensar a produção de conhecimento humano como um grande conjunto, texto coletivo, vamos dizer assim, ou, seja, pensar que sua contribuição vai ser apenas uma parte desse grande texto, que é o conhecimento humano. Então, é se manter aberto a esse diálogo, por mais que às vezes seja doido, né? “Poxa, mas isso aí que esse homem está falando, eu discordo!” esse tipo de coisa, né? Mas é se manter aberto, dentro de uma postura democrática efetivamente, fazer suas pesquisas, seus recortes temáticos que são importantes, contribuindo para esse grande texto coletivo, mas se mantendo essencialmente democrático. Esse é o grande desafio das pessoas terem esse nível de consciência, de que às vezes no cotidiano elas não conseguem ser democráticas. Eu já vi de perto cancelamentos, pilhas de cancelamento, já fui vítima de tentativas de cancelamentos e eu não deixei, porque tenho uma postura bastante equilibrada. E dentro desse equilíbrio muito firme com essas questões, mas isso é importante, perceber o quanto essas coisas, o quanto esse comportamento cotidiano, ele interfere nas nossas escolhas, mas mais do que isso, é perceber que essa democracia em respeito à diversidade, aos direitos humanos, o quanto eu tenho de abertura efetiva e o quanto eu tenho capacidade de empatia, mesmo se aquele cara seja um cara de direita ou de esquerda, vice e versa. É pensar e ter essa postura ativa, eu sou uma pessoa que sempre tento dialogar com todos esses aspectos, nunca me limitei, menos aos extremos, é claro. Extrema direita, extrema esquerda, extrema-extrema acho que não é possível pra mim, quando, eu acho que é extrema – extrema, ele não está aberto ao diálogo, é muito difícil. Mas é claro que se tiver aberto a gente pode até tentar, mas é difícil, muito difícil. Mas, a gente tem que se manter aberto.

Multimundos – Vamos falar aqui um pouquinho sobre no contexto da pandemia, o que ela trouxe pra gente, foi desafiador ao mesmo tempo que foi triste por causa das inúmeras vítimas, mas há também de pensar que ela nos ensinou algumas coisas, alguma delas que a gente já tem falado, sobre o aumento e o uso das tecnologias para se criar mais pontes, mais redes e também para se trabalhar mais nesse formato online. Qual a sua opinião, pensando nisso, a cátedra ela existe por quanto da tecnologia, né? Ela existe a partir desse contexto da pandemia. Esse jeito de trabalhar, ele tem impactado de que forma o fazer ciência no Brasil? Será que de fato a gente pode considerar o uso dessas tecnologias como instrumento para construção de pontes e de diminuições de muros e ao mesmo tempo da democratização da ciência no nosso país?

André Chaves – Como você citou o exemplo da cátedra, ela funciona em rede, foi uma opção de um momento histórico, é claro, mas dentro do processo a gente compreendeu que a gente podia ter optado por um ciclo físico no ano passado, por exemplo, em que pese a situação da Suzana estar nos Estados Unidos, mas eventualmente ela até poderia vir, né? Mas a gente percebeu que a própria força da cátedra é justamente manter esse formato, né? Permite que ela fique mais aberta. Que ela tenha a contribuição, a colaboração de pessoas que estão geograficamente distantes, mas que se unem em torno em prol de uma discussão temática. Então mesmo a gente estando milhares de quilômetros distantes, inclusive a catedrática desse ciclo, inclusive até o Muniz Sodré que estava no Rio de Janeiro, um pouco mais próximo também. Então, a cátedra acabou percebendo que apesar do fim da pandemia foi bom e importante que continuemos com esse trabalho, porque ela permite essa amplitude. Então essa amplitude, inclusive, permite que muitos grupos de pesquisa que estão geograficamente distantes se unirem em prol do bem comum, dentro de uma certa temática de pesquisa. Eu participo de um outro grupo de pesquisa que é sediado no Instituto do Câncer aqui no estado de São Paulo; então a gente permite ter diversos grupos de pesquisadores conectados dentro desse instituto, a partir da rede da internet. É claro que a gente tem um ou dois encontros físicos, mas tem gente espalhada pelo país todo, como a cátedra. E no caso da cátedra até fora do país e nesse grupo também, então isso de fato eu acho que tem acelerado a produção de ciência e tem contribuído para uma sinergia mais profícua da ciência brasileira. Eu mesmo falo por questões pessoais. No período da pandemia, em que pese toda tragédia humana que foi terrível, perdi amigos, gente que perdeu familiares, foi um negócio terrível. Por outro lado, claro que eu nem estou falando sobre a questão didática, de dar aula pela internet. Eu acho, que de fato, a gente tem alguns ganhos, mas no caso da pesquisa, por exemplo, pra mim eu me aproximei de pessoas, tem outro grupo de pesquisa que a gente pesquisa fake news. Eu me aproximei de pessoas no âmbito da pandemia, que eu não conhecia e nem tinha nenhuma forma de relação, que hoje são meus parceiros de pesquisa. Hoje, eu tenho uma rede muito mais amplificada e diversificada de atuação, então eu acho que isso é um ganho, porque toda vez que você se abre e você entra em contato e produz conhecimento com esse contato, até porque existem colegas que estão fazendo um monte de coisa diferente, claro com temas que dialogam com que você faz. Você cresce junto, você propõe novas coisas para ciência. Ou seja, contribui para esse texto coletivo, seja ele brasileiro, ou mundial, mas enquanto pesquisador você também cresce, você acaba tendo uma atuação mais ampla dentro de temáticas que até então não estavam presentes no seu cotidiano, ou, estava presente de uma forma diferente e até tímida. Então, eu acho que a internet traz um monte de dilemas e problemas, mas ela traz também benefícios. É aquela história né, a gente tem que abandonar essa visão maniqueísta, “tudo vem pro mal”. Não! A visão é complexa. Nunca dá pra gente julgar de forma maniqueísta, porque até mesmo a internet que gera um monte de problemas, de desafios, de fake news, ela também conecta, permitiu ampliar a produção científica. Permitiu inclusive chegarmos à vacina de covid em um prazo inédito na trajetória humana. Então tudo isso permite, sem dúvidas, ampliação da produção científica, não tenho nenhuma dúvida em relação a isso.

Multimundos – Por falar nisso também, em relação a essa criação de rede, uma coisa que merece muita atenção em relação a Cátedra, é justamente essa parceria com uma empresa privada. Mas aí, a gente está falando dessa parceria, isso também, trazer uma empresa privada, trazer um grande veículo de comunicação, para pensar ciência, para pensar diversidade, democracia, o senhor pode trazer mais informações ou dialogar se essa é uma forma de quebrar paradigmas? Porque é inovador, se pensar nessa junção dessas parcerias. E que às vezes até o jornal é objeto de pesquisa, mas ele está junto ali agora pra pensar nas temáticas e para se pensar nessas tensões contemporâneas também. A Cátedra pode contribuir com aquilo que está sendo reverberado nesse grande veículo de comunicação também?

André Chaves – Eu acho que ela já tem reverberado, né? Diversas mesas, conferências, que a gente realizou já viraram notícias em jornais. Ou seja, se a gente não tivesse criado a Cátedra a gente não estaria sendo publicado.

Multimundos – Aquela notícia, aquela temática…

André Chaves – Aquela notícia, aquela temática! O leitor da Folha de São Paulo não teria tido acesso aquela discussão, ou teria tido de outra forma, mas no final não naquele contexto específico que foi gerado. Então eu acho que isso traz ganhos, inclusive acho que traz pontos reflexivos dos dois lados, em um você tem um processo de reflexão que não é só da universidade, é da Folha também. Esse tipo de parceria, eu acho que no Instituto de Estudos Avançados há outras Cátedras que contam com parcerias com fundações e outras entidades. Eu acho que esse tipo de parceria é sempre muito profícua, porque ela traz experiências e visões distintas, que acabam convergindo com um processo sinérgico de compreensão de determinado fenômeno. Por meio é claro de metodologias científicas, de discussões, e assim por diante, né? E eu acho que é esse nosso papel, papel da universidade, da academia é justamente compreender da melhor forma possível a realidade. Então, a gente tem que ter essa abertura para defender esses fenômenos. É claro que no Brasil, infelizmente, a gente tem que avançar muito ainda nesse caminho, porque infelizmente existem parcerias, é claro, mas deveriam ser muito maiores, mais amplas, né, com a universidade brasileira quando a gente pensa em empresas e fundações. Eu acho que a legislação, inclusive, deveria ser mais receptiva em relação a esse tipo de iniciativa e permitir que esse tipo de coisa acontecesse com mais frequência. Há países que isso é muito mais bem resolvido, né, e eles se beneficiam disso, claro que tomando todos os cuidados com isso. Não é o nosso caso com a Cátedra, mas se uma parceria que vai gerar algum tipo de produto rentável, por exemplo, se tem que ter a divisão da patente, né? 50% para cada um, pra empresa e pra universidade. Ter esse tipo de preocupação é importante, é claro. Se há fundo perdido, a entidade parceira não quer nada, que ótimo, que seja fundo perdido. E aí depende de cada projeto, de cada temática, mas eu acho que elas são muito importantes, justamente porque elas são a nossa percepção. Sempre que você entra em contato com o outro, seja esse outro de uma fundação ou de outra empresa, você vai entrar com uma visão distinta. Então eu acho que a visão distinta colabora e eu acho que todo mundo pode aprender junto, mas tomando os cuidados pertinentes, é claro, dentro de cada lógica de funcionamento, de parceira. Então, eu acho que isso é algo bastante relevante e importante!

Jornalista, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso

Categories: Destaques

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *